ENTREVISTA: Um Corpo Estranho

A música dos Um Corpo Estranho tem qualquer coisa que até nós ainda temos que descobrir. Com um EP no currículo, estará no futuro a resposta a essa descoberta. Em entrevista, a banda setubalense explica-se e tudo fica, de facto, mais claro. Entre o caminho até ao presente, a sua naturalidade, as influências e outros pormenores deliciosos, eis um projecto a ter em conta.
Já disseram ter tido outros projectos que ficaram pelo caminho ou que ainda estão por acabar. O que encontraram em Um Corpo Estranho que vos fez chegar mais longe?
Um Corpo Estranho é um projecto bicéfalo, o que na sua essência já aponta para um diálogo num caminho que abre mais horizontes do que um monólogo. Ambos tínhamos projectos que contavam apenas com uma pessoa, o que talvez fosse um processo mais solitário e mais difícil, por isso, de levar a bom porto. Somos amigos há muitos anos e conhecemo-nos bem musicalmente, daí ter resultado uma simbiose muito natural.
Se há coisa que vos caracteriza é a atitude positiva da vossa sonoridade, bem como uma certa brincadeira e ironia nas vossas letras. Concordam com esta visão? Mesmo que varie de tema para tema, esta é uma ideia que procuram transmitir com a vossa sonoridade?
É uma brincadeira que levamos a sério. Há uma espécie de catarse que acontece naturalmente quando estamos a escrever. Não pensamos muito na mensagem a retirar de cada tema, porque é um universo volátil. Cabe a cada pessoa que ouve atribuir-lhe um significado. Para nós, as letras são pequenos exorcismos, onde, por vezes, os fantasmas que libertamos são difíceis de identificar. Mas sem dúvida que nos divertimos imenso e há um positivismo latente envolvido no processo.
Setúbal pode ser mais conhecida como a cidade que viu nascer José Mourinho, mas nos últimos tempos temos visto crescer na vossa cidade um conjunto de projectos (Tio Rex, por exemplo), que têm acrescentado valor a panorama cultural da cidade. Também sentem o mesmo? É importante para vocês fazer parte deste crescimento?
Gostávamos de pensar que Setúbal é mais conhecida por ser a cidade berço do poeta Bocage, ou de Sebastião da Gama. É uma cidade com um espólio cultural de referência no país. No que toca a música, tem efectivamente sido prolífica nos últimos anos. Além do mencionado Tio Rex, projectos como Mazgani, More Than A Thousand, Hands on Approach, Celina da Piedade, ou, num espectro mais experimental, Vítor Joaquim, têm sido bandeiras de referência no panorama nacional e internacional. Mas talvez ainda nos falte um Mourinho musical para impulsionar condições para outros tantos projectos emergentes na cidade e no distrito.
Talvez seja por cantarem em português, mas sentimos que as vossas referências musicais passam por alguns artistas nacionais. Que nomes conseguem apontar como importantes na definição da vossa sonoridade?
É possível. Somos ambos ávidos consumidores de música e o que ouvimos acaba inevitavelmente por nos contagiar. É a velha máxima da arte que se alimenta dela própria. Não sei se existe uma referência concreta, mas existem artistas incontornáveis como é o caso de José Afonso, Jorge Palma ou um mais recente Manel Cruz. Dentro da portugalidade bebemos muito do nosso fado, da musica cabo-verdiana de uma Cesária Évora, ou do cancioneiro de Chico Buarque, por exemplo. Mas temos, em igual parte, uma grande influência da musica negra norte-americana, do tango argentino de Gardel, ou da guajira cubana de Ibrahim Ferrer e Compay Segundo. Todas estas expressões são importantes para nós.
No tema Amor em Contramão transmitem toda uma "mood" misteriosa, quase sussurrante e enigmática, que vem acompanhada, no seu videoclip, de diversas imagens do universo cinematográfico. Conseguem de alguma forma relacionar-se com o cinema?
Talvez não aconteça conscientemente, mas agora que penso nisso, tanto a letra como a melodia dos temas passam por um processo idêntico na composição. Há um história para contar, ou talvez seja uma anti-estória, mas, no fundo, criamos um guião onde vamos atribuindo um cenário e profundidade às personagens que o habitam. No entanto, gostamos de dar liberdade a quem colabora connosco no sentido de levar os temas a lugares que os nossos “ângulos mortos” não nos permitiram ver. No caso do Amor em Contramão deixámos ao cuidado do António Aleixo, da Low Cost Films, que o enriqueceu com a sua visão, que abriu portas para interpretação do tema, ao mesmo tempo que também acaba por ser uma espécie de homenagem a alguns grande clássicos da sétima arte.
O EP de estreia Um Corpo Estranho está já nas lojas disponível a todos. A que sabe conseguir editar um trabalho e quais são os planos para o futuro da banda?
Este primeiro EP foi muito importante e temos tido um feedback surpreendente. Somos muito acarinhados pelas pessoas que o ouvem e não existe motivação melhor que essa. Estamos felizes com a nossa relação com a Experimentáculo Records que tem uma equipa fantástica e têm sido impulsionadores de vários projectos da região. Para já temos o EP disponível por encomenda no nosso site, em formato edição de autor. Estamos neste momento a trabalhar em temas novos, com edição marcada para breve.

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