REPORTAGEM: Milhões de Festa, a prova de que os festivais não se medem aos palmos. (dia 3)

Não foi preciso findar o terceiro dia de festival para confirmar uma realidade evidente. À quinta edição, sentimos que o Milhões de Festa é hoje fruta madura. Goste-se ou não das ondas musicalmente mais alternativas, é muito fácil ser-se feliz em Barcelos por três dias, uma cidade que parece feita de raiz para acolher uma festa como esta. Ficámos fãs mas é sem fanatismos exacerbados que admitimos que este é já um os melhores festivais do país.
O ritual repetiu-se e seguimos depois de almoço para a piscina. O cartaz era animador e prometia festança da grossa até ao pôr-do-sol. Sabíamos tanto sobre Grup Ses Beats como de gastronomia turca, mas a verdade é que este senhor soube como animar as hostes espalhando a sua fé, fazendo ouvir algo classificável como electrónica psicadélica turca. Foi difícil não ficar colado ao palco Piscina e bailar juntamente com a pequena multidão que à sua frente se foi compondo.
De seguida foram os Naytronix a aparecer a jogo que nem John McEnroe de fitinha na cabeça. E que belo concerto deram. Reinou uma suavidade funky que levou muitos a sacudir as nádegas abundantemente. Entre ritmos psicadélicos, blues e R&B, ouvimos de tudo com muito prazer.
Coube aos Moon Duo ostentar o título de cabeças de cartaz durante esta tarde. A mais que esperada dupla cumpriu sem falhas a sua missão, satisfazendo os presentes que terão saído mais do que saciados. Ainda assim sentimos que não teremos sido os únicos a questionar o porquê de colocar uma banda que vive musicalmente imersa nas trevas, em pleno dia.
De escaldão nas costas, dissemos adeus à piscina um pouco mais cedo. Fomos, pela primeira vez, dar uma vista de olhos ao belíssimo palco Taina onde demos de caras com a arrojada exibição do Quarteto 469. Com muito amadorismo à mistura, soube bem confirmar o larguíssimo espectro musical que o Milhões oferece. O hip hop do Quarteto 469 não foge muito à normalidade: beat simples, algum scratching e três MC’s a abrutalhar (mais do que declamar) os seus poemas. Acima de tudo, há que louvar a oportunidade dada aos mais pequenos que precisam ainda de ganhar alguma estaleca. 
Pouco depois, estava já em pleno palco Milhões, a orquestra Al-Madar. Seu maestro revelou ser um verdadeiro senhor, tanto pela idade como pela classe. Depois de o palco virar uma autêntica passerelle de instrumentos, ficou a sensação de que dificilmente a world music se tornaria mais world do que aquilo que assistimos. De prezar a enorme comunhão entre música e ambiente nas margens do Cávado – essa relação espiritual é por vezes a mais difícil de atingir.
A intensidade de um concerto dos Riding Panico lembra a sofreguidão dos Linda Martini. O sexteto (e ainda vimos Rui Carvalho aka Filho da Mãe subir ao palco) partilha o objectivo primordial de fazer escutar o choro das guitarras como é lei no post rock. Do que conhecíamos da banda, sentimos que soaram muito melhor ao vivo e o público não vacilou sempre que lhe competia aplaudir.
Já os L’Enfance Rouge têm idade para ser nossos pais mas não terão os nossos pais a energia destes senhores. Tivesse o Rui Costa olhado para esta malta a tempo e talvez ainda hoje andasse aí para as curvas. O trio espanta pela energia e pela garra que imprime a cada canção ainda que apesar do ritmo ter estado em sempre em altas, este não pareceu transpor totalmente para a audiência que se apresentou algo mortiça. Ainda assim, nota positiva para esta lição de rock em francês.
Os Memória de Peixe tinham tudo a seu favor, por mérito próprio está claro. Fishtank fechou a contagem da mesma forma que iniciou percurso imaculado da banda: surpreendentemente. Desde o primeiro dia que nos rendemos à dupla, seja simplesmente pela ousadia de “fazer música em tempo real” ou pelo resultado do desafio. A julgar pela multidão que fez fila à frente do palco Vice, não seremos os únicos. Crescendo atrás de crescendo, sabe bem ver a naturalidade com que Miguel Nicolau monta as peças de cada canção que nem criança a brincar com os seus legos. Memória de peixe ou não, todos levaram daqui uma belíssima recordação.    
Foi com os Alt-J que dissemos adeus ao Milhões de Festa. Para quem ainda tinha 300km para fazer até casa, achámos que dificilmente teríamos direito a melhor despedida. Taro encerrou de forma brilhante um concerto que nunca deixou de ser especial. An Awesome Wave é o melhor álbum de estreia do ano e não achamos ser os únicos a pensá-lo. Pela primeira vez a plateia fez-se ouvir, sentiu cada canção soltando-se vocalmente e, acreditamos, arrepiou-se até à espinha. Os Alt-J deixaram de ser um segredo bem guardado e bem o merecem. O mesmo podemos dizer em relação ao Milhões de Festa. Obrigado por três dias absolutamente brutais. 

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