REPORTAGEM: Milhões de Festa, a prova de que os festivais não se medem aos palmos. (dia 2)

Depois de uma noite de sono impecável sobre o céu estrelado barcelense, muito pouco nos separava para podermos finalmente mergulhar na lenda. Falamos, obviamente, da mítica piscina do Milhões. Muito tínhamos ouvido falar sobre este local de culto da cultura festivaleira portuguesa, mas só agora pudemos confirmar a sua grandiosidade. Este local não passará de um simples complexo de piscinas durante grande parte do ano, mas transfigura-se durante esta festividade num lugar único. Há quem ofereça massagens grátis, há quem se revele mestre na natação sincronizada e há até uma aparição de John Lennon. Seja pelas mais primorosas indumentárias ou pelo nadador salvador de licra reduzida e admirável bronze que abana a anca ao som de I’m Always Here, parece viver-se um tempo que não é este. A bizarria só faz é parte da festa.
É aqui que depois de cumprirmos duras etapas entre a toalha e a piscina, que acontecem os primeiros concertos do dia. Destaque para a dupla Moullinex + Xinobi que soube na perfeição materializar através de um punhado de sonoros, o ambiente que se vive na piscina do Milhões. Imperou um groove, no mínimo, extremamente agradável. É ainda com este duo em palco que acontece mais uma das muitas revoluções que Da Chick levou a cabo durante todo o festival. “Ma bitchez” pá aqui, “motherfuckers” pá acolá, goste-se ou não do estilo, Da Chick parece viver mais da atitude do que da música per se. E ainda ficamos com medo de levar porrada por causa disto. 
Revigorados com um duche e uma francesinha, seguimos viagem para o recinto. Pela primeira vez prezámos a nossa ignorância. Desconhecíamos os Blues Pills mas após o concerto sentimos ter aqui amigos para a vida. A primeira boa impressão vem da vocalista (a foto acima poderá esclarecer). Citando Rui Unas: “gira”. Depois do deleite visual, o deleite sonoro. Primeiro é a portentosa voz da vocalista, depois o verdadeiro dom de que é dotado o guitarrista (com riffs sacados das arcas perdidas de Jimi Hendrix), havendo ainda direito a um brutal solo de bateria. Haverá rock que honre melhor as suas raízes? Provavelmente não. Num piscar de olhos, ficámos deslumbrados. “Mereciam mais”, ouvimos dizer. Verdade.
Os Lüger foram responsáveis por abrir a casa no palco Vice. Inicialmente, por força da própria sonoridade ou por problemas de som, a fórmula da banda pareceu estar mergulhada num imenso nevoeiro experimental. Aos poucos, tudo foi ficando mais claro, começando o público a abraçar uma psicadelia mais corpórea, jubilando com uns passitos de dança.
Seguiu-se aquele que ficará para a história como o deboche desta edição do Milhões. El Perro del Mar não viu o público replicar a leveza e a graciosidade que a caracterizam. A meio caminho entre a doçura pop de uns Oh Land e a acutilância digital de uma Polica, El Perro del Mar passeia-se entre fronteiras. Com problemas técnicos à mistura, a sueca despediu-se com a frieza que caracteriza os nórdicos e com a certeza de que aquela não tinha definitivamente sido a sua noite
Foi tarefa do casalinho Prinzhorn Dance Club provar que afinal só a atitude pode ajudar a conquistar muitos fãs. E oferecer bebida também. A dupla está-se positivamente a cagar para o facto de a música soar bem ou não, o que mais parece importar é passar a mensagem. A guitarra arranhou como devia, o baixo seduziu e no meio de tanta simplicidade musical, a verdade é que, de alguma maneira, guardamos boas recordações daquilo que vimos.
Ainda retornávamos à casa de partida e já Connan Mockasin e seus compinchas tratavam de conceder ao Milhões o melhor concerto da noite. A solicitação “slowdancing everybody” libertou os presentes, fazendo-nos por fim a entender a magia dos famosos slows tantas vezes invocados pelos nossos pais. O intelecto psicadélico de Connan Mockasin ofereceu cor, fantasia e sedução, desenhando, ao fim de uma hora, um verdadeiro universo paralelo. Não se trata de uma psicadelia à bruta, nem de uma sonoridade que se roce à pop. Há sim um soft rock muitíssimo aveludado e celestial que quase nos leva a pensar em mais um rótulo: dream rock? Será possível? Não interessa, foi realmente de sonhos. A nação aplaudiu o seu novo rei. E nós também. 
O testemunho passou para as mãos dos Gala Drop. O som desta mini orquestra fez-nos vislumbrar os mais sofisticados passos de dança, servindo de inspiração para o corpo, o cariz experimental da banda. Escutamos destes “ilustres desconhecidos” uma sonoridade rica em diversidade. Dos teclados maquinais à percussão tropical, ficou a certeza de que teríamos, em casa, de voltar a ver este filme. 
Para quem já assistiu a uma matança do porco, os Weedeater não serão uma novidade. Tudo aqui funciona numa lógica muito simples: ser-se mais grosseiro, mais violento e mais insano. Se essa é a sua função – parece claramente sê-lo – então cumpriram-na com mestria. A nós, fez-nos regressar à tenda. Somos uma cambada de meninos é o que é.

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