SEMANA SEM FRONTEIRAS: Delícias turcas com Selda Bagcan, a compositora lendária da Anatólia. (por Bárbara Sanchez)

Não se trata de flautas encantadas onde as serpentes saltam bêbedas em ópio e especiarias. Apesar do som oferecido por Selda relembrar o Grande Bazar Turco onde o chá e as delícias turcas é o que está a dar, o som não é tão nostálgico como parece. As guitarradas de uma senhora de hoje 64 anos, perseguida durante os anos 80 pelas músicas de cariz político são dignas de atenção, por vezes até lembrando as composições de Fateh Ali Khan (embora lá do outro lado, numa terra distante de nome Paquistão). Mas deixemos o Médio Oriente e voltemos para Bizâncio, sitio bem mais agradável nos dias que correm. 
Se pudéssemos acordar com o som de Selda às quatro da manhã em vez dos cânticos proféticos islâmicos em alto e bom som espalhados (graciosamente) pelas mesquitas e por toda a cidade seria bem mais agradável. Temos a impressão de entrar numa esfera estranha a que não pertencemos mas é essa estranheza que prende. Uma cantora do género típica (imaginemos uma Stevie Nicks mas a sul do continente africano) que pertence realmente ao estilo da world music: uma mistura genial entre o ocidente e o oriente, que condiz com a própria natureza da Turquia. Enfim, ser oriental por um dia e rendermo-nos aos estereótipos e representações feitas por ocidentais de um mundo para muitos esquecido não parece ser assim tão mau, pelo contrário. O som amargo do povo turco, como ela própria se apelida, tem cerca de 22 álbuns sem contar com singles e compilações. Instrumentos tradicionais da Turquia tornam-se companheiros da guitarra e da bateria provocando oscilações no tom da música, obviamente intencionais. Para iniciados: Vurulduk Ey Halkim Unutma Bizi mais próximo do folk tradicional, mas se alguma vez chegarem a Selda, verão esta senhora na sua maior potência (mascarada de uma voz feminina mas forte nas palavras) das sonantes batidas.
Vurulduk Ey Halkim Unutma Bizi é composta por músicas mais calmas numa voz mais doce e ponderada: Eco’ya Dönder Beni e Zamani Geldi são o mais simples exemplo dessa faceta. Todo o álbum vai na mesma direcção e para os amantes da calmaria com um “twist” este é o mais indicado. Selda já é para aventureiros ou como muitos diriam “pessoal esquisito, ou meio hippie”. Tal opinião assume-se (erradamente) quando se misturam sintetizadores, guitarras com efeitos, baterias, vozes ampliadas e mais agressivas e uma boa dose de direitos de autor violados por Mos Def. Ince Ince, que têm uma das melhores partes do álbum, foi a disputa de uma guerra entre Mos Def e Selda Bagcan pois o cantor supostamente terá utilizado uma parte da música da cantora em Supermagic – e um trecho facilmente reconhecível para os fãs de Selda. Juntando a Ince Ince temos mais um exemplo semelhante à anterior. Meydan Sinzidir traz Bagcan num gigantesco megafone onde a voz soa de forma brilhante acompanhada por guitarras eléctricas. Mas o regresso ao tradicional está sempre presente embora rumando num caminho diferente neste álbum, como é o caso de Mehmet Emmi.

Perceber turco ou não: lamento, mas é completamente irrelevante (sem inferiorizar uma língua à muito viva obviamente). Críticas a políticos tanto na ala direita como da esquerda com palavras que falam da essência do povo turco é tudo o que precisamos de saber (embora fosse uma bem mais valia o conhecimento da língua, é certo, aqui pelo seu valor cultural e melodia da própria língua). Selda explora-se: pode ser imediato ou não e isso dependerá de cada um. Disto não existem dúvidas: Bagcan é um verdadeiro monstro da música e da história da Turquia e uma referência na world music.

Texto escrito por: Bárbara Sanchez

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