REPORTAGEM: Vodafone Mexefest, um festival muito bonito (parte II)

No dia três, já se sabe, a conta que Deus fez, lá peregrinámos prontos a ver a nossa fé espalhada em toda a sua extensão na grandeza de uma novamente glamorosa Avenida da Liberdade. Guardámos boas lembranças da noite anterior mas teoricamente, nas nossas cabeças, este era o dia com melhor cartaz.
Quisemos começar cedo a nossa jornada e imaginámos que Filho da Mãe, autor de Palácio, facilmente um dos melhores álbuns nacionais do ano, rimasse bem com a sala Sociedade de Geografia. Na muche. O concerto de Filho da Mãe dificilmente poderia ter melhor cenografia. Já sabemos que os instrumentais são verdadeiras viagens imaginativas, mas aquilo que Rui Carvalho faz tem tanto de infinito como de orquestral. Naqueles minutos saímos daquela sala e perdemo-nos em arrepios, principalmente com Encontrei Os Teus Dentes, a nossa favorita. Poucos foram os que arredaram pé e, no fim, sala ainda estava cheia para aplaudir um já desarmado Filho da Mãe. Que absoluto talento.
Ainda não passavam das dez, já Warren Hildebrand andava a ornamentar o palco. Umas velas eléctricas e uma toalhinha que parecia ter vindo de casa da mãe, acompanhavam o equipamento com que este jovem canadiano nos viria a surpreender. Eram dez em ponto quando a música começou. O terraço do Hotel Tivoli começou a esvaziar e a sala a encher. Nervoso e tremelicante, o artista conhecido por Foxes in Fiction dá início ao seu concerto, com uma escolha de melodias calmas e delicadas mas, sobretudo, deliciosas. A setlist não era o que pretendia, não tivesse ficado sem o seu sampler dias atrás, durante o soundcheck que antecedeu o concerto no Porto. No entanto, fez o melhor que pôde, admitiu numa conversa. E temos de admitir que melhor parece impossível.
Quando o seu desconforto em palco parecia diminuir, Warren descalçou-se e fez o público suspirar.  Todos se aproximavam do palco, a música continuava a soar e palavras de simpatia eram partilhadas com o público. “Esta tour em Portugal é, até agora, a melhor experiência da minha vida”, admitiu o jovem artista de Toronto, despreocupado com tempo restante, roubando um pouco deste para fotografar o público.
Apesar de todos os problemas, o concerto correu pelo melhor. A escolha do alinhamento foi perfeita, como se de um crescendo se tratasse. A explosão final, com Memory Pools do seu álbum Swung from the Branches, foi inesperada. No final a sala esvaziou-se, para dar espaço aos próximos artistas: Beat Connection.
Acabámos por hesitar sobre que concerto deveríamos ir ver. O Mexefest revelou-se a tempos um verdadeiro exercício de estratégia o que para alguns implicou boa forma física – posta em prova na estafeta James Blake–Toro Y Moi. Aqui separámo-nos, desculpem-nos os sexismos, por concertos para meninas (Oh Land) e concertos para meninos (Dead Combo). Primeiro as senhoras. Enquanto o Tivoli se ia compondo para receber os portugueses (ou simplesmente para guardar lugar para James Blake) o São jorge não ficava nada atrás.
A sala, das que consegue acarretar mais pessoas, foi enchendo aos poucos até chegar a ficar completamente lotada. Já se percebia que não se ia manter assim durante muito tempo, porque ainda se tem de atravessar uma ponte para o Tivoli e o medo de perder lugar no concerto de James Blake é muito. Pondo os medos de lado, na hora marcada Oh Land entra em palco. Perfection dá inicio ao concerto com Nana Oland vestida a rigor para a cerimonia. Ainda estávamos nós a recuperar do primeiro impacto, quando o maior êxito da banda se ouve tocar, Sun of a Gun até o santo padroeiro São Jorge  ficou aos saltos, tudo de pé, cantam o conhecido refrão de trás para a frente. Que a vocalista era linda, já todos nós sabiamos, mas a verdade é que vê-la ali de perto era uma completa excitação para muitos: “és linda!” – ouve-se. Entre piruetas muito bem trabalhadas, sorrisos e olhares de cumplicidade com o público, à terceira música, já estamos todos conquistados. Depois da electrizante Voodoo segue-se o momento mais bonito do concerto Wolf and I foi uma perfeita combinação entre nós os "lobos" e Nana que afirma que somos uma alcateia fantástica. Continuámos embalados, com Lean e logo depois Rainbow que ao vivo funciona na perfeição, com as típicas brincadeiras com as letras, o público e o vocalista; Ela diz "click" e nós dizemos "pop". Ainda numa onda calma, Oland oferece-nos um momento de partilha e intimidade Deep Sea, pouco conhecida entre o público (tema do primeiro álbum) soa-nos bem e é muito aplaudido (como que um "obrigado" pelo presente). Sem demoras, ou qualquer pausa segue-se Heavy Eyes apresentado ao vivo de uma maneira um pouco diferente do que no álbum, demorou algum tempo a ser reconhecida entre os presentes. Aos primeiros acordes de Human com alguma pena, ausentei-me e não fui a única. É que a fila já ia até ao Marquês e o Blake não espera por ninguém.
Os Dead Combo já têm lugar VIP no panorama musical português, já cá andam há quase dez anos mas a verdade é que nunca os tínhamos visto. Gostamos de dizer que, no geral, o que a dupla Tó Trips e Pedro Gonçalves faz é um post-fado globalizado. O Tivoli pode-se dizer que se revelou um verdadeiro colo materno para quem tanto gosta e usa Lisboa como movimento estético. Mas não só. Aquilo que para os Dead Combo mais interessa parece ser a forma literal como sodomizam os instrumentos e deles passam a emoção para os nossos ouvidos.  Numa altura em que o fado sofre um ligeiro hype, parte dele algo hipócrita diga-se, a verdade é que sabe bem vermos as nossas raízes musicais tão bem (re)tratadas. No Tivoli acabaram por dar um grande concerto, fazendo aquilo que a experiência lhes permite fazer: passar a limpo uma carreira recheada de óptimos temas, destaque claro para Lisboa Mulata, álbum lançado ainda este ano. Cinco estrelas.
Desta feita já bem instalados num dos luxuosos camarotes do Tivoli, mesmo depois de uma cerveja continuávamos sedentos pois estávamos à espera daquele que facilmente pode ser considerado como o cabeça-de-cartaz do festival: James Blake. Terá sido mais gente a ter ficado a coçar-se na fila que escalava até às fartas cabeleiras do Marquês, do que a que teve a sorte de arranjar lugar num Tivoli atafulhado de gente até ao tecto. Literalmente.

À hora marcada – a pontualidade também reinou no Mexefest – lá estava James Blake. À primeira vista, tanto “histerismo” talvez se justificasse se tivéssemos a ver uma Lady Gaga numa das suas vestes duvidosas. Mas não, era “só” James Blake, tímido londrino de 23 anos a quem o destino pregou uma partida – há um ano lá estava ele, igual a todos nós. Se dúvidas houvesse quanto à capacidade das melodias de Blake se manterem puras ao vivo, essas foram desde logo dissolvidas à medida que Unluck se construía a seis mãos – um guitarrista e um baterista foram também verdadeiros trolhas na construção da obra-prima que fomos vendo nascer. O alinhamento foi-se revelando bastante equilibrado, com a presença de dois novos temas a figurar no EP que está aí à porta.  O caminho que Blake está a decidir seguir, pelo menos ao vivo, soou lindamente. Já o “passado”, encontrou em CMYK um equilíbrio mais do que perfeito. A forma tão raw como partem as canções e o modo como estas se constroem fazem do que vimos mais do que um concerto, trata-se de um espectáculo, um hino à arte, à criatividade. As sobreposições de voz feitas na hora que antecipavam I Never Learnt To Share são um exemplo. Limit To Your Love, em versão alargada foi das mais aplaudidas e até o próprio edifício Tivoli foi incapaz de deixar de tremer na pujança que foi este tema. O público acabou umbilicalmente ligado a Blake, mostrando o quanto este já circula nas nossas veias. A Case Of You foi presentinho quebra-corações, tardio para quem passou a ponte de encontro a Toro Y Moi. Do pouco que vimos, tivemos de sair  antes do fim, a festa parecia bem animada. Do que guardamos do Mexefest, queremos voltar a viver. Porra, que festival tão bonito.
Escrito por Raquel Sousa, Viviana Martins e Afonso Sousa     

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