REPORTAGEM: Vodafone Mexefest, um festival muito bonito (parte I)

A Avenida da Liberdade transformou-se mais uma vez em santuário imaculado, aonde todos os caminhos vão dar, para acolher mais uma série de aparições que prometiam ser capazes de nos livrar de todo o mal dos nossos pecados – ou pelo menos de um certo stress escolar. E assim foi. Por duas agradáveis noites, Deus brindou os participantes desta missa com amor, carinho e um punhado de óptimos concertos. Ámen.
Chegámos cedo ao São Jorge para recolher as pulseiras, com tempo de ir pitar qualquer coisa à baixa. O festival estava esgotado – aqui os fait divers da crise parecem ecos distantes. Lá ia caindo a noite e a atmosfera estava, diga-se, a roçar o épico. Acreditamos ter descoberto o significado do “cheira bem, cheira a Lisboa”: aquele frescote que bate agradavelmente nas fuças, chocolate quente e castanha à borla, e uma série de Ambrósios que ora nos levavam avenida acima, avenida abaixo. Para um par de “estrangeiros”, teremos finalmente descoberto a verdadeira essência desta cidade. Obrigado organização, obrigado Mexefest.
Sem compromisso algum e depois de termos falhado a entrada no concerto da Luísa Sobral, descobrimos logo ao lado a sala da Sociedade de Geografia onde nos cruzámos por minutos com um viajante solitário, meio perdido neste lugar que é o planeta Terra, mas com um grande sentido de humor. Josh T. Pearson acabou por não descurar as nossas ganas de primeiro concerto. Facilmente conquistou o público numa espécie de show de stand-up comedy onde distribuiu muito boa disposição para depois partir na melancolia, na secura, na solidão, no deserto que são as suas (longas) canções. Surpreendente a figura do texano, não tão surpreendente a sua música.
Subimos tranquilamente a avenida, até ao terraço do hotel Tivoli para ver pela segunda volta os portugueses You Can’t Win, Charlie Brown. O sexteto que para este concerto viu amputado um dos seus elementos, esteve à altura do desafio proposto por uma sala bastante bem composta. Aquilo que mais espanta na banda é a sua abertura, desde a informalidade do sound check à forma simples como comunicam com o público, parecem gente tão normal que confiamos plenamente que aquilo que dão é realmente de valor. São boa gente, com bom espírito, malta amiga. Deu novamente para descobrir a sua versatilidade e como ela é trabalhada em palco, ao trocarem de instrumentos como namorados trocam beijos. O público é da família e lá vai cantarolando mais ou menos assertivamente os temas. Gostamos particularmente de An Ending, sete minutos de uma grande canção, mas é com Over the Sun/Under the Water que terminam e que recebem a maior ovação. Valeu, é difícil pedir mais à banda, continuem realmente assim.
Nunca tínhamos ido ao Tivoli e em boa hora nos estreámos em mais uma bonita sala. É com os Junior Boys que damos os primeiros passos de dança no Mexefest, num Tivoli que rapidamente contagiou a banda que nunca se poupou em retribuir uma cumplicidade de quem já há muito se conhece. Os canadianos, verdadeiros ratos de estúdio, não viram a sua electrónica cair mal no formato ao vivo. Confessamos que só conhecíamos It’s All True, o último álbum da banda, mas confessamos também que talvez tenha sido a banda da qual mais ficámos a ressacar depois do festival. Os Junior Boys são muitíssimo groovy, oferecem uma atmosfera tropical controlada por um certo lado sedutor. Mas mais importante que isso, fazem a sua electrónica e têm o seu som bem marcado. Gostámos principalmente dos temas Itchy Fingers e You’ll Improve Me, ambas presentes em It’s All True, um trabalho que realmente merece ser revisto bem como o restante da banda.
Satisfeitíssimos com Junior Boys e com a sensação de que não podíamos ter feito melhores escolhas, só ficámos à arder com pena de não ido andar no autocarro que saltava que nem um low rider tal era a gente aos pulos ao som daquilo que supomos que fossem os Farra Fanfarra. Cortámos os pulsos por não ter lá ido bombar. Mais uma castanha e um chocolat chaud, a seguimos o caminho em passo rápido na esperança de ainda haver espaço para nós nos Paus
Bem, já os tínhamos visto por duas vezes, mas não sabemos bem até hoje aquilo que aconteceu no metro dos Restauradores. Sabemos que agora as pessoas já saberão melhor as músicas, sabemos que o álbum está lindo como a lua, que os Paus estão no topo de forma, mas foi talvez aquele lugar em particular que desenhou nos já ininterpretáveis temas dos Paus (que classificamos como rabiscos “conscientes” de uma criança de três anos) uma energia nuclear condensada que todos tiveram necessidade de libertar, num grito de alívio, de descarrego emocional que terá feito o próprio Marquês, sair da paz da sua pose. Foi crowd surfing, foi gente a partir tambores, foram linguados ao Makoto, mas nada ficou só ali no metro, reinou a transcendência. E ainda o jogo ia a meio, ámen.

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