Um olhar ligeiramente nostálgico sobre o metal açoriano, por Diogo Lima

A Região Autónoma dos Açores (terra de onde este amigo que vos escreve é proveniente) é altamente conhecida pelos restantes conterrâneos por ser uma terra rica em fauna e flora. Somos (supostamente) ricos em vacas, queijo Limiano, lagoas, vulcões, vacas, queijo Terra Nostra, o Pauleta, a Nelly Furtado, o Sandro G e mais vacas. Sempre que dizemos que somos açorianos perguntam-nos se conhecemos a pessoa X que é de lá, apesar de ainda sermos um arquipélago com mais de 240 000 pessoas divididas por 9 ilhas. Mas sim, somos um arquipélago pequeno.
Como podem calcular, os Açores não são propriamente dotados de uma cena musical particularmente estimulante. Fora esse mítico rapper de nome Sandro G (de quem agora só restam recordações vagas de refrões como tu és uma galinha ou eu não vou chorar), o Zeca Medeiros (que é algo como o Barry White das ilhas) ou os clássicos Morbid Death (que podem trazer memórias ao pessoal do tempo do VHS como aquela banda que fez o videoclip num pasto com vacas - a conferir em baixo) poucos nomes mais poderão tocar na campainha dos amantes de música continentais. E mesmo assim é preciso um enorme esforço para se lembrar destes.

Enquanto Lisboa e restantes cidades de Portugal Continental recebiam inúmeros eventos do máximo interesse (desde a espectacular passagem de Faith no More por Alvalade a Dillinger Escape Plan e SOAD em 2001), o pessoal das ilhas sempre se contentou com concertos dos Xutos (apesar de já termos tido lá os Scorpions - wow), carradas de trance psicadélico e a existência de uma estranha cena metal underground que remonta aos primórdios dos anos 90 e acompanhei nos meus anos de entrada na puberdade.
Se me metessem hoje uma compilação de todas as bandas de metal açoriano nos ouvidos sem nunca as ter ouvido antes passaria dias a cagar cascalho. Não é que o arquipélago transpire propriamente música de qualidade ou originalidade: se quisermos olhar para isto numa perspectiva crítica há alguma variedade de sub-géneros, mas regra geral falamos de composições demasiado ligadas às suas influências. Ainda assim, é curioso pensar que existe uma cena tão forte de um género tão específico num sítio tão isolado.
De acordo com o metalicidio.com, um site que arquiva registos de bandas de peso dos Açores, existiram mais de 110 bandas dedicadas a sons mais pesados desde os anos 90. Eu próprio tive uma banda de stoner/sludge/drone/oquecaralhosaquiloseja, portanto o que interessa é saber tocar três notas numa guitarra e ter distorção no amplificador de 15 watts.
Não é que eu seja propriamente velho, tenha sido a pessoa mais activa na cena ou tenha sido há 20 anos que fui aos meus primeiros concertos mas um bocado como quem se lembra nostalgicamente das suas primeiras cassetes ou discos de vinil recordo com um certo carinho os primeiros concertos que vi em toda a minha vida: bandas como In Peccatum, Morbid Death, Sanctus Nosferatu, Crossfaith, Anjos Negros, Psy Enemy (ou toda uma panóplia de nomes de bandas de garagem que provavelmente já devem ter encaixado em bandas tugas underground desde os anos 70) e muitas mais dão/deram concertos para públicos entre as 100 e as 450 pessoas em espaços que vão de teatros municipais a palcos improvisados em festas religiosas até salões paroquiais. Black Metal das cavernas a tocar em festas de devoção ao Cristo Senhor ou bandas de Punk anarquista a ser coagidas a parar de tocar sob pena de garrafada nos cornos são episódios comuns nos Açores.
Tudo aquilo faz lembrar um certo espírito hardcore/punk/rock dos anos 70 das grandes capitais desde as demos gravadas em casa aos concertos com meia dúzia de pessoas e ensaios em garagens com paredes de basalto (aqui entra a mística açoriana). Não interessa o sítio, o que interessa é que se faça música e seja pelo ar.
Poderão até não compreender o meu fascínio todo por isto, mas uma daquelas bandas que sempre me fascinou na música açoriana foram os Spank Lord: numa ilha dominada pelo black/goth/thrash metal, estes senhores começaram por surgir na brincadeira como uma banda de covers dos grandes Monster Magnet e foram uma daquelas bandas que me acompanharam na fascinante descoberta do rock musculado, stoner e outros géneros menos convencionais. Em jeito de comparação muito forçada se na Austrália houve os AC/DC, em Inglaterra os Stones, nos EUA os Kiss, nos Açores há os Spank Lord. Rock n'Roll.
Se ser das ilhas acaba por ser complicado por algum do isolamento que ainda traz imaginem tentar compôr, gravar e divulgar um álbum lá. Ainda assim, três anos depois do seu nascimento os SL lançaram o álbum de estreia: chama-se Bombs Away! e marca o final de dois anos de trabalho em estúdio marcado por várias adversidades e contratempos. São 13 malhas de rock demoníaco cheio de influências do stoner primitivo dos Monster Magnet e rock/blues demoníacos em estado puro sem outra pretensão senão a de fazer música que mande tudo pelo ar. Porque nem toda a música tem que ser tecnicamente exímia, não tem que envolver emoções super-complexas ou 150 sintetizadores e até mesmo de um ponto no meio do oceano consegue sair esse espírito rock n'roll.

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