Os FILHOS DO DIABO no Edição Limitada.

Queremos começar este artigo deixando bem claro o prazer que é para nós, Filhos do Diabo, participar na Semana do Demónio do Edição Limitada. Nesse sentido, há que agradecer o convite ao Diogo Lima.
Queremos também dizer que é com grande satisfação que temos vindo a perceber ao longo do nosso trabalho - e é mais recente exemplo esta iniciativa - que não somos os únicos a ter uma concepção um bocadinho diferente do que é Diabo. Sabemos que para muita gente o Diabo é a personificação religiosa do mal e o seu símbolo mais universal. Para nós, o Diabo é o símbolo de algumas das coisas que achamos importantes nas nossas vidas - a criatividade, a identidade, a diferença, o inconformismo, a alternativa.
Como dizia, temos vindo ao longo do tempo a perceber que não somos os únicos a pensar assim, e que quem partilha mais esta opinião connosco são os artistas: Vasco Rosa, jovem realizador, dizia-nos, na entrevista que nos deu, que se considerava um filho do diabo e que achava que todos os artistas são filhos do diabo. Termino esta introduçãozinha com uma citação de Alek Rein em entrevista ao ípsilon:
Actualmente em residência na ZDB, trabalha o conceito "O artista enquanto Diabo". Porque passou os tempos de faculdade a ouvir falar de "o artista, a nível criativo, se colocar na posição de Deus, por ter que inventar uma linguagem e um universo seus", e lhe parecer que, mais que Deus, o artista se parecerá com o Diabo. Não é verdade que "o diabo se tornou diabo por aspirar a tomar o lugar de Deus"? Esta ideia é importante - está presente naquilo que é Alek Rein, o músico.
O artigo encontra-se divido em 3 partes, 3 coisas diferentes que nos vieram à memória quando nos perguntaram o que era para nós a música do demónio.

I. A escuridão de I'm New Here
Desta vez e nesta situação o diabo quer mesmo dizer maldade, escuridão, tristeza - resumidamente, trevas. O último álbum de Gil Scott-Heron - e primeiro, ao fim de 16 anos - tinha uma aura (odeio esta palavra) muito dark. Poderão argumentar, legitimamente, que isto não tem muito a ver com o diabo, mas nestas coisas de deus e do demónio é tudo muito simbólico, e quando o Diogo me falou em musica do demónio o que me veio à cabeça foi este tal álbum. Ora tendo eu oportunidade de homenagear Gil Scott-Heron publicamente, não deixarei de o fazer.
Falando só sobre as músicas mais "escuras", o LP começa com On Coming From A Broken Home, musica sobre a infância difícil de GSH. A música tem um instrumental muito pesado, apesar da mensagem de amor transmitida (GSH amava a sua avo, que o criou, "até a medula óssea").


Segue-se Me and the Devil, música com referência explícita ao Diabo no título e que tem um instrumental escuro e triste mas de alta qualidade. Aqui GSH canta 'Me and the Devil, walking side by side'.


Your Soul and Mine começa com um violoncelo e uma batida drum machine e acaba com os seguintes verbos:
So if you see the vulture coming,
Flying circles in your mind
Remember there is no escaping
for he will follow close behind
Only promise me a battle,
Battle for your soul and mine.
Dark enough?


Where Did The Night Go é tristeza amorosa, desgosto, solidão e insónia alcoólica, tudo num minuto de prece apocalíptica com delay. Muito muito bonita.


A partir daqui o álbum embarca numa tónica mais esperançosa e alegre, sem nunca deixar os instrumentais algo melancólicos e desconfortantes. Oiçam o álbum, adorem-no, venerem-no. Depois vão descobrir o resto da discografia. Instrumentais geniais, sentimento a dar c'um pau e aquela voz magistral, bigger than life. É isto Gil Scott-Heron.


II. A alegria do Diabo na Cruz

Os Diabo na Cruz são para mim das coisas com mais qualidade feitas em Portugal. Nem sei por onde começar a descrever tudo o que encontro de bom na banda. Para começar, as expectativas: uma banda que reúne, entre outros, Jorge Cruz, B Fachada e Bernardo Barata, baixista dos Feromona, parece garantir à partida 4 coisas: rock, dança, qualidade literária e celebração do folclore português. Ora as expectativas ultrapassaram-se a si próprias e devolveram uma banda com tudo isto e muito mais. Os Diabo na Cruz conseguem levar a bom porto a (à partida difícil) empresa de misturar a pop e o rock contemporâneos e algo anglo-saxónicos com a música popular portuguesa. E fazem-no com tanta qualidade que toda a música soa natural e o processo fácil. Mais, a banda conta com dois letristas geniais, B Fachada e Jorge Cruz, que escrevem letras com muita qualidade e muito conteúdo. Por cima disto tudo, e em parte graças ao baixo de Bernardo Barata, os Diabo na Cruz fazem música tão alegre, tão uplifting, tão enérgica e contagiante que esta tem uma força brutal. Querem animar alguém, pô-lo a dançar? Não é preciso dizer mais nada, pois não?
Resumindo, os Diabo na Cruz fazem música única, nova, que mistura estilos diferentes e com letras de qualidade acima da média e o resultado tem tanta energia que é garantido alegrar qualquer pessoa que os oiça. Têm muito muito mérito e devem ser motivo de orgulho para nós.

III. O Diabo: palhetas, cornos e Hard Rock
Aquele que é conhecido por todos como um dos maiores messias do bom rock, o senhor Jack Black, para o qual a música é uma importante parte dos seus filmes, faz questão de manter simbioticamente ligado este género musical ao Diabo. Tenacious D and the Pick of Destiny conta a história de dois roqueiros de rua que partem numa demanda para encontrar a Palheta do Destino, que passou de mão em mão durante gerações e que faz do seu dono um verdadeiro deus da guitarra. Esta Palheta não é nada mais nada menos do que uma lasca de um dente do próprio Diabo, que a perdeu numa das suas vindas à Terra. Este filme acaba por aplicar à práctica uma noção que existe desde o aparecimento do Hard Rock. Os anais da história da música estão repletos de referências ao Diabo. Entre inúmeras músicas encontramos por exemplo a controversa Simpathy for the Devil dos Rolling Stones, que nos fala de um homem educado, bem apresentado e com alguma classe e charme que conta ter sido ele a protagonizar todos os grandes momentos de loucura e traição, e que foram decisivos para o desenrolar da História, como a traição de Judas ou o acesso de demência de Nero.
A música mais pesada, os temas mais negros, fizeram do género uma espécie de instrumento demoníaco com o qual se aprisionam almas. E o mais interessante é que os próprios líderes do mundo do rock optaram por manter esta ligação viva. Corninhos com a mão (créditos atribuidos ao Ronnie Dio), pegar fogo aos palcos e a guitarras (Avé Hendrix), tudo isto parecia dar outro objectivo ao rock.
Mas o que representa realmente o Diabo? Uma fuga ao dogma, fazer aquilo que se quer sem temer repressões morais, com coragem para quebrar barreiras, criando novos sons e novas abordagens à música, como nunca se tinha sequer pensado antes.

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