REVIEW: Bon Iver - Bon Iver

 
Sente-se que chegámos ao inadiável ponto onde a escrita já só vive nos braços de um sonho. Escrever no Edição Limitada representa isso mesmo. Ser-se o que não se é, estar-se onde não se está. Por dentro, (acho que) todos gritamos mais do que em meras reviews. Por entre relatos de sonhos que não parecem de fama, talvez nem de reconhecimento, simplesmente de expressão. Expressão de arte com liberdade. Diga-se, já se esperava o álbum para uma introdução assim. Que se lixe o resto.
Não há nada que melhor cumpra a missão de subtitular Bon Iver que a expressão snow flake. É assim que vivemos o imaginário de uma banda que a própria capa de Bon Iver (menção honrosa para a mesma) insiste em vincar: o branco a pedir que a pintemos com o nosso lado desumano (entenda-se transcendente), a paisagem que vidra o olhar, ataca a espinha, congela o arrepio, a alma. Bon Iver sempre foi assim poético. Sempre foi fadado, polido a leveza, toque de cristal.
For Emma, Forever Ago primava por tudo o que sabia a goma. A goma sabe cada quilómetro que se papa em Bon Iver. É este o álbum que cumpre a viagem pelos caminhos da América de Justin Vernon. Há quem partilhe do sonho de por lá realizar uma coast-to-coast. Vernon dá o mapa. Aqui encontramos um ser experimentado e crescido, feito pastor barbudo perante seu rebanho (a banda, a que desta volta junta um saxofonista e um pedal steel player para dar forma à maquia que no fim nos cai nas mãos).
Foram os últimos instantes da sua existência que o levaram ao encontro de Volcano Choir, do circo artístico Gayngs, de The Rosebuds, do projecto Dark Was The Night, e de (deixem a estrela passar) mister Kanye West. Pelo meio, claro, Blood Bank EP que (bem) deu um salto de sonoridade, aterrou nos ouvidos com estranheza mas que em nada fazia comichão. “I don’t want to be the guy with an acoustic guitar singing songs, because that’s boring for the most part”. A frase é de Vernon e deixa tudo à vista, o próprio precisa de procurar extensões de si por todo o lado para viver satisfeito.
Bon Iver é a ressaca. É um pós-coma de influências. É difícil tirar a vida folk da voz de Vernon e a verdade é que estamos perante um monumento de características folk, tal como dantes. Mas este vive menos cerebralmente, é mais carnal, mais ousado, quase que mexe onde não era suposto, quase que passa a merecer a designação geral de “indie rock”. A bateria fumegante de Perth ou aquela guitarra quase country a abrir Towers, não são da mesma espécie musical de For Emma Forever Ago. Bon Iver, porque claramente é esta a identidade que Bon Iver quer seguir e parece que dificilmente poderia ter saído mais própria e singular. Parece que dificilmente podia ter saído melhor. Holocene, Wash ou Calgary (esta última é de bradar aos céus) colocam o sonho ao alcance de uns phones. E Bon Iver continua cá em casa: ser-se o que não se é, estar-se onde não se está. Como todos nós.
8.4/10
Ouçam e façam o download de Calgary em baixo.

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