SEMANA SEM FRONTEIRAS: Mundo, a Cesária é tua. (por Viviana Martins)

Silêncio. Porque aqui há saudade. E é de mãos dadas com a saudade que começo este artigo. Saudade de uma Cesária que já não volta, saudade de uma Cesária que nos deixou uma história para contar. E é isso que vamos fazer, conta uma história, a sua história. 
História que nos faz recuar aos anos 40, quando em Cabo Verde nasce a que viria a ser a diva dos pés descalços. Cesária Évora nasce em seio musical. O pai Justino, chefe da casa, tocador de cavaquinho, violão e violino incutiu-lhe o gosto pela música e a mãe Joana, que era cozinheira, foi mais que isso, foi a sua conselheira de vida. Com mais quatro irmãos e aprendendo, mais tarde, a ser mulher com a avô, Cise, para os amigos, viveu sempre num ambiente perfeito, e para ela, na terra perfeita. 
Filha da terra cabo-verdiana, é nela que dá os primeiros passos. Concertos pelas ruas, acompanhada pelo seu irmão ao saxofone, pequenos espectáculos no seu bairro davam a conhecer ao povo o seu talento. Cesária ao longo da sua adolescência conheceu várias pessoas que lhe foram ensinando o morna, o tradicional género musical oriundo de Cabo Verde, que curiosamente significa lamento. E foi no morna que Cesária se encontrou e começou a ser conhecida, como a rainha do morna. Trabalhando aqui e ali e com a independência de Cabo Verde pelo meio, o seu percurso musical  não estava a tomar o rumo que a própria teria traçado, maioritariamente a nível financeiro. Frustrada e cansada, Cesária deixa de cantar e entrega-se ao álcool. Foram dez anos de silêncio e a lutar contra o vício. 
Mais tarde, a rainha do morna acaba por se recompor, aparentemente, e volta a aparecer com o incentivo de Bana, um  músico e empresário cabo-verdiano exilado em Portugal. Bana traz Évora para Portugal para alguns espectáculos, e é aqui que os portugueses começam a apaixonar-se por Cesária. Pouco depois, muda-se para Paris e lá grava um álbum chamado A diva aux pied nus. Paris acolheu a Rainha do morna como se ela fosse a rainha deles, e acabou mesmo por ser. O seu álbum Miss Perfumado, em 1992, foi o confirmar de um amor recíproco. Cesária torna-se conhecida mundialmente já com os seus 40 e alguns anos, vencendo uma série de prémios internacionais.  Cesária Évora deixa-nos fisicamente, em 2011 aos 70 anos de idade mas a rainha nunca será esquecida. Temas como Amor Di Mundo, Lua nha testemunha, Africa nossa, Partida e, claro, Saudade correram e ainda correm o mundo. 
Évora, apesar da sua internacionalização, trouxe sempre no seu peito Cabo Verde, não só no estilo musical mas também nas suas letras. Letras que nos transportam para o seu universo, que nos fazem sentir o lamento que a própria carregava nos ombros, um lamento não só da vida difícil que levou, e do caminho longínquo que teve de percorrer, mas, principalmente, o lamento de ter sido necessário abandonar cedo aquela que era a sua terra por falta de reconhecimento daquele que era o seu povo. Tarde mas a tempo, Cise conseguiu pôr o mundo sobre os seus pés descalços, inspirando muitos a serem como ela, a cantarem descalços, a divulgarem o morna e a juntar mundos. Hoje o seu povo orgulha-se dela, orgulham-se dela ser deles. Mas nós também sentimo-la um bocadinho nossa, e o orgulho e o respeito são inquestionáveis. Cesária quis que nos juntássemos, e nós vamos sempre lembrá-la juntos.
Texto escrito por: Viviana Martins

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