MEMORABILIA: Steve Ray Vaughan

Sempre tive a ideia de que seria fácil escrever sobre um artista/álbum que idolatramos assim tanto, no entanto, encontro-me em frente ao computador, de madrugada, a ouvir o “Texas Flood” e faltam-me palavras para descrever um artista cujo talento era tanto que chegava a roçar o ridículo.
Estamos a falar de um artista que conseguiu pôr toda uma geração de brilhantes guitarristas em alvoroço e a questionarem as suas próprias capacidades. O próprio Eric Clapton, reconhecido como um dos melhores guitarristas blues da história, recorda frequentemente um episódio em que, durante um concerto de SRV, teve de abandonar a zona do palco (Clapton iria tocar depois de Steve) porque não conseguiu aguentar com toda aquela intensidade e preferia preservar alguma sanidade mental e confiança em si próprio.
Lançado em 1983, “Texas Flood” foi o ponto de partida para o (breve) renascer do blues, algo que se julgava praticamente impossível de acontecer face a um longo de período de escassos aparecimentos de novos talentos. Apesar de não ter sido prontamente aclamado pela critica (SRV era muitas vezes criticado por não saber cantar), manteve-se no Top 40 de vendas durante 6 meses, algo praticamente, nunca antes visto num álbum blues, mas que veio confirmar o seu merecido sucesso.
Todas as notas saídas da sua distinta Fender Stratocaster (a que SRV tratava por Lenny) revelam um misto de paixão, agressividade e alegria, jamais visto/ouvido desde os tempos de Jimi Hendrix. No aspecto lírico, não há muito a dizer, uma vez que não foge às características comuns da grande maioria das músicas blues, que se baseiam essencialmente, em contar histórias de amor entre um homem e sua amada ou histórias de desespero e frustração. Apesar de tudo o denominador comum a todos os temas do álbum passa pelo brilhantismo de Steve na guitarra.
Se houvesse quem o criticasse por “imitar” demasiadas vezes alguns influentes guitarristas blues (como os 3 “Kings”: Albert, Freddie e BB King), Steve fazia questão de esfregar isso na cara de todos e mostrar aquilo que aprendeu desde pequeno ao ouvir os seus guitarristas preferidos e assim prestar também o seu tributo a toda a influência que exerceram sobre ele. Usando cordas ridiculamente grossas na sua guitarra (o que lhe permitiu obter o seu distinto som), Steve oferece-nos uma formidável viagem pela história do blues escrita à sua maneira: se por um lado nos relembra Chuck Berry com “Love Struck Baby” e “Pride And Joy” com toda aquela energia característica do Rock N’ Roll, por outro lado, conta-nos tristes histórias acerca de um homem cujo amor não correspondido, lhe leva ao desespero, em “Tell Me” e especialmente em “Dirty Pool”.
Todos estes temas são motivo mais do que suficiente para qualquer um se deixar levar pela magia do blues rock do texano, no entanto, SRV faz questão de confirmar a sua tremenda capacidade para solar em alguns temas de cortar a respiração como “Texas Flood”, uma música “tipicamente” bluesy com licks que nos transportam para os tempos de Albert King ou em “Testify” um instrumental rápido, agressivo e “sem-espinhas” e que vem justificar uma famosa afirmação do “mal-amado” John Mayer (cuja maior influência é SRV) em que o americano dizia que era possível tocar com a intensidade de Steve, mas pouco mais de 30 segundos (algo que eu próprio posso confirmar) …
O álbum culmina com “Lenny” uma das mais belas canções que alguma vez me chegaram aos ouvidos até hoje. Dedicada à sua mulher, resume todo um álbum que marcou um género musical para sempre e também tudo aquilo que viria a ser a sua carreira, para além de deixar claro que o seu objectivo passou por usar as suas maiores influências e tornar isso em algo bastante especial e emocional.
Voltando um pouco ao início e, em jeito de conclusão, é tremendamente difícil passar para palavras aquilo que sinto ao ouvir um álbum e um artista como Steve Ray Vaughan. Sem dúvida, uma das minhas maiores influências enquanto guitarrista e um exemplo para qualquer um de nós, tendo em conta a batalha que travou contra o vício da droga e álcool (que praticamente o mataram) e a mensagem que transmitiu a todos os que se encontravam na mesma situação que ele.
Stevie Ray Vaughan foi um dos melhores guitarristas da história e a sua obra deve ouvida e vista em concerto. Uma simples primeira audição, revela-nos uma paixão pelo blues e pela guitarra jamais vista e é talvez essa a principal razão pela qual continua a influenciar gerações de guitarristas, que não têm alternativa a não ser deixarem-se levar pela sua magia. No entanto, o seu talento era grande demais para este mundo e Steve viu a sua vida ser ceifada num acidente de helicóptero, no pico da sua carreira e forma, aos 35 anos.
Resta-me dizer: obrigado Steve!
texto por João André

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