ATRACÇÃO MAGNÉTICA - Anna Calvi por Tiago Ribeiro

Ser precipitado é sinal, diz o povo, de “nascer torto”. O povo ainda não conheceu Anna Calvi, aposto.
À luz da fábrica Rob Ellis, cujo trabalho podemos também encontrar nas canções de PJ Harvey, janeiro foi um mês atipicamente pródigo nos elogios e atenção concedida a esta mais recente estrela da companhia.
Calvi em Anna Calvi oferece-nos um disco de 36 minutos que se estendem por quadros de memórias, breves recortes de relatos e experiências que vão muito para além de uma qualquer metade de hora. Anos.

O génio de Anna está no seu ADN e nos muitos – e bons – boys com quem privou nos últimos anos. Nick Cave e Brian Eno são os seus dois mentores e responsáveis pela abertura de um locus sanctus habitado por nomes como Patti Smith e PJ Harvey.
Anna Calvi surge em cena merecendo todo o protagonismo de um 2011 que transpira o pior daquilo que ouvimos na década de 80 do século passado, mas não só: um ano cuja tendência primavera–verão é o espelho de uma clara cedência aos mercados que aclamam electrónica de toques simples e letras sinuosamente largadas ao bacoco. Calvi é a antítese deste boom do revivalismo easy-listening (pobre?) que abunda nas prateleiras das discotecas, no éter das rádios mercantilizadas e que preenche as muitas páginas da música deste ano.
"Faço um grande esforço para criar atmosferas. Eu quero os instrumentos para contar a história, tanto quanto as letras fazem. Cada nota que canto tem que ser importante. Cada nota que toco no violão tem que significar algo.”, afirmou a artista em entrevista ao The Telegraph. Na verdade, a complexidade da escuta deste trabalho está na interpretação a fazer de cada breve momento no qual se compõe este disco.
Todo o fascínio estético que a loira de ares nórdicos deposita na música está, em boa verdade, ao longo das 12 canções do disco, na pele de uma sedutora que tanto se assume como introspectiva como, faixa avante, requintada e de tons mais atrevidos. Desejo e diabo, luxúria e paixão, outros.
Neste disco, ouvintes são também espectadores, acompanhados por um coro metafísico e por uma guitarra rouca que tem prazer em transgredir e fazer das notas algo energeticamente esquizofrénico. Tudo o resto são pormenores com pormenores, simbolismos com simbolismos, arte com Calvi.
A maleabilidade e a capacidade de contágio imediato são também algo a importar sensorialmente da voz de Calvi e de canções como No more words e Morning light, verdadeiros passaportes para o universo da cantora.
No disco há também coração em alta rotação a palpitar numa espécie de amor à primeira em First we kiss. Assumindo-se também como o melhor cartão-de-visita para o rock apoteótico de noite de inverno.
Bem mais quente, e em puro julho, aplaudi-la-emos na capital portuguesa na edição deste ano do festival de música e arte Optimus. Depois da certeza do disco e de confirmar que está bem “Alive”, fica a dúvida se a música de confecção gourmet de Anna Calvi poderá resultar no formato XXL do palco de Algés.

ARTIGO POR TIAGO RIBEIRO

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