REVIEW: Atlas Sound - Parallax

Podemos questionar a verdadeira existência de um “nosso verdadeiro eu”. Há quem vá à Índia procurá-lo, quem se arme em Chris McCandless ou quem opte por retiros espirituais. Bradford Cox prefere vestir a pele de Atlas Sound. Sem  bilhete na locomotiva deerhunteriana, Cox segue só em busca de lugares mais recônditos, mas não menos radiantes.
Todo o material Atlas Sound não resulta de meros restos por trabalhar. Entre um e outro lado da estrada, Cox não se cansa (mesmo) de vaguear. Há momentos em que ambas as margens se tendem a cruzar mas nada parece ser realmente à toa. Percebemos isso na essência bem mais poeirenta e menos elástica, por exemplo, da coqueluche de 2010, Halcyon Digest – aí sim, de um noise rock à distância de uma esquina, mesmo que aparentemente pouco inovador, se procurarmos bem, qualquer canção Deerhunter introduz uma ideia musical diferente, o que até apelida a banda de experimentalista e, sinceramente, a torna especial. Dizer que algo tem o “toque deerhunter” pode já ter passado a ter uma conotação muito positiva.
Aqui sentimos esse “toque deerhunter”, como não podia deixar de ser.  Parallax não perde tempo em afogar-se em ideias multicolor que fazem brotar canções de rumos opostos, mas com uma toada muitíssimo folk – a guitarra acústica acompanha-nos quase a tempo inteiro. Se a tela de Parallax parte dessa base, a partir daí entramos numa bolha de psicadelismo a tentar entender o que se passa na cabeça de um Cox sem rédeas. Te Amo percorre um caminho em si mesma, ritmo tropical dançável – admitimos que quase que soa a kizomba e nós gostamos de kizomba – até se perder naquilo que o próprio nos tem habituado: intenso shoegazing. Parallax, o tema-título está de caras com um Devendra Banhart super psicadélico.
O adjectivo volúvel volta a cair-lhe bem na balada mais terrena Mona Lisa (perto até daquilo que uns Girls têm vindo a fazer) ou na delirante Lightworks com gaita à la Bob Dylan à mistura. Terra Incógnita adensa-nos atmosferas, num dos melhores momentos do álbum – ao estilo de Sailing em Halcyon Digest – Cox faz-nos definitivamente entrar no seu saber erudito.
Paralaxe significa alteração. A alteração aparente de um objecto devido à movimentação do observador. O ponto de Cox em Parallax pode ter sido revelar as diferentes paralaxes, as diferentes alterações por onde tem passado a “sua” sonoridade. Parallax percorre-a quase totalmente. Este até cai numa espécie de hermenêutica para quem o ouve, um exercício de interpretação e de busca de novos elementos que vão sempre aparecendo. Ou então deixemo-nos de armar em intelectuais de meia tigela. Gostamos de Parallax simplesmente porque sim.
8.3/10

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