Os Pink Floyd começaram em 1965, como uma banda rock que rapidamente se tornou das mais populares dentro da cena “underground” londrina, tendo como líder o pioneiro do rock progressivo, Syd Barrett. Porém em meados de 1968 Syd foi forçado a abandonar a banda que o próprio criou, devido a uma overdose de ácido que causou danos irreversíveis no seu sistema nervoso. Foi então que surgiu David Gilmour e os Pink Floyd deixaram assim, de ter um líder criativo (Syd) para dar lugar a uma maior liberdade, uma vez que todos os membros passariam a dar o seu contributo. Tudo corria de feição, até que Roger Waters decide “assumir o controlo” da banda, pela altura em que o álbum “Animals” foi lançado.
Nesta altura, o Floyd já era considerado por uma esmagadora maioria como o maior gigante do rock naquela época, causando um misto de sentimentos de inveja/raiva entre bandas mais “limitadas” (John Lydon, dos Sex Pistols, usava frequentemente uma T-Shirt em que era bem visível a frase “I Hate Pink Floyd”) e foi sobre este contexto que num concerto da digressão “In The Flesh”, surgiu o ponto de partida para a criação do “The Wall”.
Os fãs começaram a ir aos concertos da banda, apenas para ouvirem os seus maiores hits, o que irritava profundamente Roger Waters, uma vez que não queria abdicar de temas referentes aos primeiros álbuns da banda, apenas para agradar a certos fãs que iam aos concertos para ouvir duas ou três músicas que faziam sucesso nas rádios. Estava então a começar a ser criada uma barreira que isolava Roger dos seus fãs (e não só), barreira essa que foi completada quando o próprio Roger cuspiu sobre um fã que tentava subir para cima do palco num concerto. Roger deixara de ser um músico que expunha a sua arte, e deu então lugar a um “peão” dos media cuja função passava apenas por oferecer entretenimento a um público bem distante dele. Estava criado assim o tema central daquela que viria a ser a sua obra-prima.
Olhando paralelamente para o filme “Pink Floyd The Wall” (1982) de Alan Parker, este conta-nos a história de Pink, uma estrela de rock em decadência, e todos os episódios da sua vida que o levaram a esse estado. O álbum começa com “In The Flesh?”, uma alusão a um dos concertos de Pink em que este interage com os fãs de uma forma diferente do habitual. Enquanto o público espera por mais um espectáculo (“So ya, thought ya, might like to go to the show”) aquilo que “recebem” é um Pink em plena decadência que o culpa (o público) por se ter tornado numa pessoa desprezível e diferente daquilo que era e ao mesmo tempo convida todos os que o ouvem a conhecer a sua história (“If you wanna find out what's behind these cold eyes you'll just have to claw your way through this disguise”).
Com o fim de “In The Flesh?” temos vários flashbacks da vida de Pink, que começam com “The Thin Ice”. Após o seu nascimento, Pink é automaticamente instruído pela sua mãe para o facto de a vida ser repleta de dor e desapontamentos (“Don't be surprised when a crack in the ice appears under your feet”), o que viria a ser “acentuado” em “Another Brick in the Wall (Part 1) ”. Neste tema, Pink começa a construir uma “barreira mental” com os primeiros “tijolos” (“All in all it was just a brick in the Wall”) que o irão separar do resto do mundo e de toda a dor que tem de enfrentar, como a morte do seu pai durante a 2ª Guerra Mundial.
Os dois temas seguintes constituem porventura um dos maiores marcos da história do rock. Em “The Happiest Days Of Our Lives” Pink recorda como os seus professores o humilhavam diariamente (“When we grew up and went to school there were certain teachers who would hurt the children in any way they could”) e destruíam a individualidade de cada aluno.
Em continuação de “The Happiest Days Of Our Lives” surge “Another Brick In The Wall (Part 2)” em que Pink continua a dirigir-se contra os seus professores, porém desta vez, Roger Waters decide deixar um pouco de parte a sua personagem e opta por lançar algumas criticas à sociedade do seu país (este canção e tudo o que ela representa é a principal razão para muita gente achar que o tema central do “The Wall” ser apenas os podres da nossa sociedade), isto é, Roger expõe os objectivos da educação que teve na sua infância: moldar de forma segura e padronizada os “tijolos” (alunos de hoje, cidadãos de amanhã) que iriam formar um muro (sociedade inglesa) do futuro, sem qualquer “rasgo” de individualidade ou criatividade.
Um dos pontos principais do álbum chega com “Comfortably Numb”. Ainda no seu quarto do hotel, a perspectiva de “dentro da cabeça de Pink“ é interrompida pelo seu agente e alguns médicos que lhe injectam várias drogas de forma a que, este esteja apto para actuar em concerto. Depois de um dos melhores solos da história do Rock, o de “Comfortably Numb”, seguem-se vários temas que nos mostram a loucura de Pink sob o efeito de drogas, em que este se imagina a dar um concerto vestindo a pele de um ditador, ameaçando todos aqueles que fizessem face à sua autoridade (“In The Flesh” e “Run Like Hell”). Estes dois temas sugerem algumas semelhanças em relação àquilo que foi o regime nazi de Hitler. No entanto, Pink põe um fim ao seu estado de insanidade/loucura em “Stop” e apercebe-se que a sua muralha terá de ser destruída, mas sem antes enfrentar um julgamento…
Em “The Trial”, Pink enfrenta um julgamento (convocado por si próprio, fruto da sua imaginação) em que ordena o juiz (ele próprio), que lhe liberte da muralha que o próprio criou, afirmando estar arrependido e capaz de se conectar com o mundo exterior novamente, sendo-lhe concedida a liberdade. No final do filme, várias crianças recolhem alguns “tijolos”, como que a anunciar o final da história.
A moral que se pode extrair desta história – para além do natural prazer auditivo – é que, apesar de todas as injustiças, medos, barreiras sociais, cabe a cada um de nós lutar contra as muralhas que separam as mais distintas sociedades e creio que é precisamente essa a mensagem que Roger Waters quis transmitir. “The Wall” é uma obra-prima que deve ser ouvida por todos, mas também vista e analisada detalhadamente, tendo em conta todo o seu conteúdo relativo à sociedade em que cada um de nós nos inserimos. Apesar de ter sido criado em 1979, “The Wall” é um álbum que, apesar de ligeiramente incompreendido, se ajusta perfeitamente aos tempos actuais e é talvez esse carácter intemporal que o torna tão especial.
texto escrito por João André
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