O Zé fala-nos do Milhões de Festa.

O cabelo começa a ficar ralo e a paciência também. Testosterona a mais, é o que é. Assim como já não tenho pachorra para me preocupar com a calvície, também já não tenho disposição para apanhar fretes. Razões mais que suficientes para abordar o cartaz ecléctico do festival dos triângulos e dos óculos de massa com uma postura confortável e até preconceituosa: ver o que gosto (ou o que penso que gosto) e ignorar o resto. Este rescaldo segue pelas mesmas linhas.


6ª Feira:
Dia de abertura. Chegar tarde, montar a tenda num monte de areia desprotegido do sol e ir para o recinto ver os Æthenor, melhor conhecidos como a banda com gajos de Sunn O))) e de Ulver. Quatro bons músicos a tocar punhetas, basicamente. O que torna o facto de serem bons músicos irrelevante. Como o tempo estava bom e a relva confortável, no fim o público acabou por massajar o ego da banda com palmas e assobios. Acho que nenhuma das partes se chateou.
Seguiram-se o Shit And Shine que em vez de ajavardarem o palco com a sua dose dupla de percussão e barulho sintetizado decidiram presentear os ouvidos da audiência com mais experimentalismo bacoco e minimalista. Alguém devia explicar a estas bandas o conceito de festival de verão. 5 minutos bastaram para me afastar até ao outro lado do rio para comer uns panados e beber uns finos.
Voltei a tempo de apanhar uns minutos dos Gama Bomb, que conseguiram animar a malta com o seu thrash metal revivalista. Riff aqui, riff ali, está a festa feita. E eis que chega a hora dos Graveyard entrar em palco. Entre hinos de puro rock intercalados com momentos mais introspectivos, afirmaram-se claramente como a banda da noite. Com um set-list fortemente baseado no fantástico álbum editado este ano, Hisingen Blues, estabeleceram a fasquia para as restantes bandas da noite, que previsivelmente, falharam redondamente em atingir a grandeza dos suecos. Foi a voz pubescente do vocalista de Liars que acabou por me expulsar de vez do recinto naquela noite. Ugh.


Sábado:
Dia forte do festival. Calor abrasador, uns mergulhos na piscina e siga para ver o stoner minimalista dos Karma to Burn no palco mais manhoso do festival. Ouviu-se de longe, à sombra, que o sol não permitiu chegar perto do palco. Não faz mal, aposto o tintin direito em como estão cá para o ano outra vez.
Fim de tarde, temperaturas a descer, cerveja na mão, Causa Sui a tocar. Entre construções Krautrock e deliciosos devaneios Stoner, o grupo dinamarquês presentou-nos com um fenomenal concerto instrumental exacerbado pelo laranja do pôr-do-sol. Com tempo para gastar, siga outra vez para outra margem, que beber no recinto esvazia a carteira em dois tempos.
Pela altura que regresso, estão três ou quatro matarronas no palco acantar desafinadas. Não sei se é de propósito ou não, mas soa-me mal de qualquer maneira. O legado das Spice Girls continua a dar trunfos. Vira mais um fino. Começa ZU, pétaculo. Baterista novo, hiperactivo por sinal, fustiga a bateria sem misericórdia, dirigindo a banda. Numa mescla de Noise Rock com Free Jazz desenfreado, os temas foram sendo debitados numa sequência contínua, sem qualquer tipo de consideração pela malta cá em baixo. Adorei. Saí do concerto sem reconhecer um único tema, o consenso geral ditou que só tocaram músicas novas, que apontam para um digno sucessor de Carboniferous.
Depois era tempo de Secret Chiefs 3. Concentraram-se no reportório mais "acessível" e familiar, prestando um concerto cheio de energia. Boa resposta do público, com ponto alto na Exodus, onde toda a gente fez questão de acompanhar a banda cantarolando essa épica melodia, quais trovadores bêbados inspirados pelo calor da noite. E por falar em calor, o concerto mais quente da noite ficou a cargo do one-man-band, Bob Log III. Aliado duma pose cénica bem trabalhada e duma boa disposição contagiante, o seu fuzzed out psychobilly blues garantiu uma das melhores actuações do festival. Bela maneira de acabar a noite.


Domingo:
Dia mais desinspirado do fim de semana. Entre as grandes doses de electrónica deslavada e indie desenxabido que constituíam o menu do dia, pouca coisa havia que me interessasse. Aproveitei e fui fazer a minha estreia no palco dos metaleiros, com Lobo a tocar. Encarnam bem a expressão one-trick pony, mas acabaram por entreter.
Acompanhei uns amigos de volta ao recinto e acabei por ver Electrelane. Má decisão. Desisti ao fim dumas músicas. Seguiu-se Washed Out, exímios na arte de fazer música para preencher espaço. É porreiro quando não se está a prestar atenção, tipo a cortar as unhas ou a lavar o chão depois de cortar as unhas. Em concerto, são chatos. E um dos vocalistas soa demais a Interpol, o que por si só já é motivo para me afastar ao fim duns minutos.
Entretanto os atrasos começavam a deixar mossa e o corpo pedia descanso, mas eis que surge Foot Village. Quatro baterias dispostas em círculo a serem desancadas ininterruptamente. Gritos loucos, megafones avariados, japonesas com ataques de epilepsia, dificilmente deixaram alguém indiferente. O que por si só, é de louvar.
Finalmente, Radio Moscow. Num dia lento e com poucas surpresas, acabaram por dar o melhor concerto do festival. Sem grandes cerimónias, debitaram uma muralha de riffs perante uma audiência que teimava em não parar de levantar corpos, dando verdadeiro significado à máxima que dá nome ao festival. Final mais adequado para o fim-de-semana não havia.


E foi isto. Se soubesse que ia ter a trabalheira de escrever isto tudo tinha pedido credencial.

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