ENTREVISTA: Luís Oliveira "o acto de ouvir rádio dessacralizou-se"

Luís Oliveira é daqueles nomes que já não precisa de ser googlado. Pode a curiosidade alargar a pesquisa ao catálogo das imagens uma vez que o mesmo se vai mantendo por trás de uma voz (ainda que dê a cara no Top +). É uma das vozes da Antena 3 e uma espécie de professor Bambo da coisa – no bom sentido – um verdadeiro guru musical. O Edição Limitada (na pessoa do Afonso Sousa) falou com ele, buscando respostas sobre o estado da rádio e o que anda a ouvir:
O meu pai disse-me que ouviu o The Wall pela primeira vez através de uma emissão na rádio e tinha para o acontecimento, juntado amigos, amigas e imperiais em casa, uma festança portanto. Obviamente, esse espírito perdeu-se. Não tinha piada ter-se isso de volta?
LO: De facto, o acto de ouvir rádio dessacralizou-se. A rádio tem hoje menos importância. É duro mas um facto. As razões são óbvias. Mais do que lamentar esse tempo que não volta para trás, é preciso encarar os novos desafios como oportunidade para voltar a ganhar relevância. Na certeza que nem na rádio nem noutro qualquer meio os públicos voltarão a ser tão abrangentes.

O facto de uma estação de rádio pública como a Antena 3 ter uma grande quota de programação composta por playlists que podem ser maioritariamente ouvidas noutras estações não deturpa o seu sentido de serviço público?
LO: É uma forma possível de “ler” a estação. Por outro lado podes também dizer que é a única rádio nacional que tem diariamente 7 horas dedicadas em exclusivo à divulgação musical, numa politica que se estende ainda de forma mais evidente ao fim de semana.
Vivemos uma altura em que a definição de serviço(s) público(s) está em cima da mesa. Se por um lado os serviços públicos de teor mais social têm dificuldade em manter-se tão universais por razões económico-financeiras, no caso dos media essa discussão pode ser relevante pelo lado dos “consumos” culturais. Ou seja, que serviço público de rádio e televisão faz sentido ter hoje tendo em conta a evolução na forma como as pessoas valorizam os seus conteúdos.
Na minha opinião a discussão tem ficado um bocado inquinada por um pressuposto errado. A expressão original “Public Service” foi traduzida de forma meia “saloia”. Em vez de partir do latim, “transformou” public em audience e por isso ouvimos muitas vezes a tese segundo a qual só há serviço público quando existem em simultâneo serviço e público para esse mesmo serviço. Não é a minha visão.

Infelizmente, já se chegou ao ponto de discutir o futuro da rádio, tal como acontece com a imprensa de papel. Será que a verdadeira casa da rádio já se encontra nas plataformas multimodais online? Como locutor, sentes algum sufoco desse género?
LO: Discutir plataformas começa já a ser questionável. O teu PC pode ser uma rádio, uma TV, um jornal etc. No que toca à rádio, em breve os aparelhos, mesmo nos automóveis ou sobretudo nos automóveis, poderá ser misto : FM/On-line.
Respondendo à tua pergunta acho que as possibilidades em perspectiva até me parecem interessantes e potenciadores de pluralidade estética e de discurso. A ver vamos como o “consumo” de rádio evolui e esperemos que os gestores da rádio e os seus profissionais estejam à altura. Acredito que estarão.

Ao espectro da música dita alternativa juntaram-se recentemente à Antena 3 e à RADAR a Vodafone FM e a SWTMN (que, não sendo exclusivamente dedicada à sonoridade, ainda se dedica a tal). Não será demasiado?
LO: Como estamos a falar de novas estações privadas quero acreditar que quem investiu estudou o mercado de forma a perceber se este estava ou não saturado.
Por outro lado, a música dita alternativa é cada vez mais pop, mais popular. Tem hoje mecanismos de promoção mais alargados à disposição e usa-os: blogs, bandas sonoras, redes sociais etc.

Com a facilidade de acesso a tudo, a oferta aumentou sem termos real consciência disso. Pensas que, por isso, a música se terá tornado mais descartável?
LO: Sim, tens razão, mas a presença de música é muito diferente do acto de ouvir música. O que torna a música mais descartável não é o excesso de oferta é a sua exposição massiva. Se te derem a escolher entre um bife minúsculo e um bife que sai pelo prato fora, tu preferes o bife gigante. Mas se te quiserem enfiar a toda a hora um bife pela goela abaixo tu não vais gostar porque... não tens mais fome.

Um ecletismo de qualidade marca o panorama musical nacional, concordas? Ainda assim, o mito de que o passaporte parece prender muitas aspirações mantém-se. O que falta e qual o passo a dar para uma espécie de internacionalização nacional?
LO: Essa realidade vale para os artistas do cenário pop-rock. O que o BI nos diz é que somos um pais periférico, fora dos grandes centros de decisão pop. Uma carreira internacional pressupõe igualmente um projecto de edição/ promoção muito difícil de suportar quer do ponto de vista logístico quer financeiro.. Por isso mesmo, o que é válido para Portugal é válido para grande parte dos países europeus. As excepções têm a ver muitas vezes com fenómenos circunstanciais ou de conjuntura, como nos países nórdicos. Mas nesse caso, falamos de países prósperos onde o investimento no ensino da música e nas suas infra-estruturas tem um impacto grande e vai garantindo que espaçadamente projectos de países como a Suécia ou a Noruega disputem um lugar que é, na generalidade, dominado pelo eixo Inglaterra/Estados unidos.

Hoje em dia temos definitivamente que pensar alto para ser bem sucedidos, aquela treta toda do empreendorismo. Já “assentaste” ou gostavas de trabalhar noutras áreas?
LO: Sou um rapaz de ambições reduzidas, acho eu. Como qualquer um, gostava de ter um carreira profissional o mais estimulante e rica possível mas se pudesse dedicar toda a carreira a esta área não só ficaria muito feliz como saberia tratar-me de um privilegiado.
Não faço ideia do que o futuro me reserva.

O que marca a actualidade musical de Luís Oliveira? Que tens ouvido recentemente?
LO: Sem nenhuma ordem em especial, entre os últimos discos que ouvi e gostei foram: My Morning Jacket – Circuital; Bon Iver – Bon Iver; Dale Earneard Jr. Jr. – It’s a Corporate World, Battles – Gloss Drop; You Can't Win Charlie Brown – Chromatic, Tamikrest – Toumastin, tUnE yArDs - WHOKILL. Por culpa do Josh Homme, que numa entrevista sugeriu uma compilação de música do Benin, tenho feito um mergulho também no Afrobeat e derivados através das compilações da Analog Afrika.

O mercado festivaleiro não vive claramente à rasca. Fazes com certeza planos de dar uso a esta abundância. Quais as tuas perspectivas para os festivais este ano? Quais as tuas maiores expectativas? O que é que ainda te falta ver?
LO: Sim, vai começar o rodopio. Alive, SBSR, Paredes de Coura, Sudoeste. Nestes estarei presente certamente, em trabalho. Se atendermos ao peso do nosso mercado, acho que não nos podemos queixar da qualidade do naipe de artistas que vão passar pelo nosso pais, seja no panorama pop-rock ou nos festivais mais específicos de World Music ou tendencialmente mais electrónicos.
Entre os nomes que mais quero ver este ano estão Seasick Steve, James Blake, TV on the Rádio, Deerhunter, Wild Beasts, Pulp, Twin Shadow, Tame Impala, Arcade Fire, Strokes, entre outros. Vamos ver o que o trabalho permite que eu veja. Tenho pena que os Black Keys não tenham constado de nenhum cartaz.
Tom Waits, Bowie e Springsteen estão entre os artistas que ainda quero (e muito) ver ao vivo... de preferência bem longe de um festival de Verão.

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