ENTREVISTA: Pedro Rocha, organizador do SERRALVES EM FESTA


O Edição Limitada conseguiu roubar um pouco de tempo para conversar com o programador de música de um dos maiores fenómenos de cultura portuguesa e internacional sob a forma de festival que há no país. Pedro Rocha partilha então connosco opiniões, factos e esclarece algumas dúvidas para os que estarão em Serralves este ano pela primeira vez. Confiram:
Obrigado por tirares este tempo para falar com o Edição Limitada, principalmente tão pouco tempo antes do Serralves em Festa!, imagino o alvoroço que se deve sentir por aí.
Tu não és apenas o programador de música da fundação de Serralves, mas também membro da direcção do museu de Serralves, essa dualidade de ocupações ajuda-te a entender que tipos de bandas/projectos/artistas seriam mais bem aceites pelo público que costuma ser atraído até Serralves?
PR: Esta dualidade não é efectiva. Enquanto colaborador da Fundação de Serralves sou membro da equipa da Direcção do Museu, mais concretamente do Serviço de Artes Performativas. A Direcção do Museu é responsável pelos conteúdos programáticos no que se refere aos vários programas artísticos desenvolvidos pela Fundação. E assim sendo, o meu trabalho tanto é desenvolvido para a programação anual de música como para projectos especiais com o “Serralves em Festa”. No entanto, há linhas de programação que atravessam todos estes programas, nomeadamente a atenção focada no experimentalismo no campo das artes - seja ele aplicado a linguagens e práticas mais disseminadas como a música ‘pop’, seja a outras mais vanguardistas ou experimentais nos seus fundamentos e princípios de acção e reflexão; por um lado a experimentação a um nível mais interno dos instrumentos e processos de criação, e por outro ao nível de uma reflexão mais externa sobre os possíveis caminhos e papéis para a criação e programação artística na vida cultural e na sociedade. Assim, nesta edição do “Serralves em Festa” tanto encontramos concertos que nos propõe trabalhos que resultam de explorações musicais experimentais, como sejam a improvisação livre do trio de Rodrigo Amado com Jeb Bishop, o universo singular e expansivo do jazz espacial de Sei Miguel, o entretecer escultórico em camadas de sons electrónicos e acústicos dos Mountains, o psicadelismo analógico dos Emeralds, a abordagem intuitiva à tecnologia e as contorções ritualísticas ‘pop’ dos Gang Gang Dance, como também encontramos a crítica ao lugar e papel da mulher no universo pop/rock que o imaginário das Chicks on Speed nos propõe, o programa “Ritmia Periférica” e a proposta de contacto com os ritmos que habitam as ruas de outras latitudes (neste caso, os originais cruzamentos de diferentes ritmos e tempos da música que animam as festas de rua no México) e a oportunidade de escolas artísticas terem um palco para mostrarem publicamente o trabalho desenvolvido em torno de linguagens musicais contemporâneas.
A ‘aceitação’ do público, numa perspectiva passiva, não é um critério de programação do “Serralves em Festa”. Procuramos que a programação se constitua também como desafio, e como oportunidade de contacto com práticas artísticas que não são comuns num festival que atrai muitas dezenas de milhares de pessoas.
Apesar do carácter mais festivo do “Serralves em Festa” que obviamente é inerente a este evento, não acreditamos numa estratégia de ruptura com os princípios da programação que pautam a actividade regular de Serralves. Guia-nos antes o reconhecimento da curiosidade e disponibilidade dos que nos visitam durante o festival, e também a responsabilidade de contribuir para a formação de públicos mais esclarecidos e próximos da cultura contemporânea num contributo para a qualificação da cidadania, que é missão da Fundação.
Desde 2004 a impulsionar a cultura contemporânea através do Museu e Fundação de Serralves, achas que o festival que não dorme tem criado impacto superior de ano para ano? Eu tenho notado (na minha área predilecta do cartaz, a música) um aumento da diversidade de géneros e sub-géneros, principalmente este ano em que o ecletismo abunda!
PR: É hoje reconhecido que o “Serralves em Festa” tem já um lugar importante na vida cultural da região do Porto, reconhecimento este que também nos chega da parte dos muitos parceiros do festival, sem os quais não seria possível a sua realização na dimensão e moldes que conhecemos.
A qualidade do impacto do festival tem vindo a mudar à medida que avançam os anos. Do efeito novidade, da primeira visita a Serralves, dos primeiros contactos com as nossas propostas de programação, vai-se dando lugar a uma visita repetida ao festival, à apreciação das formas como a programação vai dando a conhecer diferentes propostas e diferentes formas de experienciar os espaços de Serralves, à reflexão sobre o papel do festival no âmbito mais alargado das dinâmicas culturais na cidade. São processos normais inerentes à maturação de um projecto que têm que ser pensados para além do sucesso específico manifesto no aumento do número de visitantes.
Mas o Serralves em Festa não é só música, que mais podemos encontrar lá que não encontramos em mais lado nenhum? O que há este ano de novo que esperam que surpreenda os festivaleiros?
PR: A diversidade da oferta ao longo das 40 horas do festival é realmente uma das suas características mais particulares. Mas não devemos esquecer que esta diversidade está já presente ao longo da programação anual de Serralves.
De facto, para além da música encontramos propostas noutras áreas disciplinares como a dança, o circo contemporâneo, o cinema, o teatro e, claro está, as próprias exposições no museu. Mas, em muitos casos, estas classificações são muitas vezes redutoras e podem delimitar expectativas e condicionar a percepção dos projectos.
Tal como acontece no trabalho que realizamos ao longo do ano, tenho frequentemente alguma dificuldade e resistência em encaixar em categorias disciplinares ou de estilo as propostas que apresentamos. Muitas vezes elas cruzam várias destas categorias podendo ser apreciadas segundo vários eixos de percepção. Elas vêm sublinhar um aspecto essencial da criação contemporânea que valoriza não só a criatividade dos artistas mas também a dos públicos, indo além de uma relação puramente contemplativa, pedindo antes um envolvimento mais activo de todas as partes que participam da realização, transmissão e recepção de um projecto artístico.
Igualmente tenho dificuldade em destacar projectos em particular. A dimensão e natureza destes é tão diversificada como os públicos que nos visitam. Em conversas com alguns dos que nos visitaram nas edições anteriores, posso constatar que tanto os projectos maiores e mais conhecidos como os mais pequenos têm merecido as emoções mais fortes e sido reconhecidos como momentos especiais durante o festival.
Assim sendo, imagino que as surpresas tanto possam surgir do grande espectáculo de circo “Pfffffff!” da Compagnie Akoreacro, de um concerto no grande palco do prado pela Big Band de Perico Sambeat ou da proposta de dança Sideways Rain” criada pelo coreógrafo Guilherme Botelho, como de um pequeno concerto de música electrónica na Casa de Serralves por Rafael Toral ou de improvisação visceral pelo duo de Gabriel Ferrandini e Pedro Sousa, a inscrição na paisagem de decomposições burlescas de gestos quotidianos dançados pela companhia de Martine Pisani, ou a descoberta de uma obra presente numa das exposição no Museu.
Pedro, trabalhando tu já há doze anos na fundação de Serralves, o que achas que ainda é preciso mudar ou melhorar? O número de visitantes do festival tem aumentado de ano para ano e cada vez mais o evento está na boca do povo, sentes-te realizado com o teu trabalho?
PR: A mudança é algo que é sempre necessário. Não acredito em fórmulas estagnadas de programação cultural. E a mudança espera-se sempre para melhor, sendo que também implica riscos.
Chegados à oitava edição do festival, temos já um conhecimento mais profundo inerente à aprendizagem e experiência ao longo das edições anteriores. Isto oferece-nos algum conforto mas deve também proporcionar desafios, permitir alargar os limites da experiência que é a realização e programação deste festival. E creio que temos vindo a fazê-lo ao longo destes anos, dentro dos limites que estruturam as possibilidades que temos, sejam eles os orçamentais ou as limitações do Parque de Serralves.
Para mim, um dos aspectos mais importantes de um evento como o “Serralves em Festa” é a desmistificação de uma certa inacessibilidade que é atribuída à experimentação artística contemporânea, ajudando a perceber que esta suposta inacessibilidade ou elitismo está também em grande medida sediada na própria indisponibilidade e preconceito dos públicos e dos promotores culturais e na demagogia política, e permitindo assim obviar a honestidade sobejamente escamoteada do trabalho destes artistas.
Considero esta sensibilização para a arte contemporânea algo de muito recompensador. Enquanto uma actividade que possibilita a expansão dos mundos individuais e colectivos, potenciando investigações realmente independentes, a arte contemporânea pode assim ter um papel cultural essencial para, juntos, encontrarmos alternativas reais para a vida em sociedade, que num momento como o actual se revestem de especial pertinência.

Mais uma vez, obrigado pelo teu tempo e vemo-nos em Serralves dia 28 e 29 de Maio. Boa sorte para o TRAMA, trabalho no museu e quaisquer outros projectos vindouros!
PR: Muito obrigado. Desejo-vos igualmente sucesso nos vossos projectos. Abraços.

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