Apocalipse: chuvas de meteoritos,
catástrofes naturais e invasões de aliens. O mundo tal e qual o conhecemos fica
desfeito e completamente despido daquilo que o tornava o que era, único. Enquanto
muitos de nós irão vaguear doidos pela rua, enquanto bolas de fogo nos vão caindo
nos calcanhares, sem rumo, simplesmente a fugir pela vida, outros estarão
calmos, contemplativos, no fundo de um abrigo subterrâneo onde a distância da
superfície não irá tirar nem um milímetro daquilo que irá encher aquela sala
quadrada. Haverá no ar aquilo que em muitos outros sítios, nesse exacto
momento, irá faltar…uma ligação. E não falamos
de wifi ou de telefone (essas
tenho a certeza que não estarão lá grande coisa)…falamos de laços humanos.
Ligações afetivas, reconfortantes, quentes, que nos mantêm o que na realidade
somos: humanos. Amor, amizade,
felicidade, tudo isto que temos contido na nossa cabeça irá elevar-nos ao nosso
“nirvana privativo” por entre notas musicais. Isso. A música salvar-nos-á, pelo
menos do esquecimento, já que se os aliens invasores tiverem pistolas laser
podemos mesmo dizer “olá” ao fim.
Quase tudo o que já existiu teve
uma música que o assinalou. Quase todos os períodos têm um álbum que os
caracteriza. Por isto mesmo é que temos o direito de escolher que conjuntos
de músicas queremos ouvir naqueles que poderão ser os nossos últimos momentos
nesta Terra. Ter o direito de sentir aquilo que ela nos dá, de rever o que ela
nos mostra, afinal de contas somos nós próprios que lhe damos a maior parte do
seu significado.
A minha escolha pode parecer
ridícula (e é um bocadinho), até mesmo disparatada, mas calma, isto tem um
objectivo! Então, o álbum que eu escolhia para ouvir nas minhas últimas horas de
existência, o álbum que sentiria as minhas últimas respirações seria, nem mais
nem menos do que… Elymar Popular do nosso
irmão brasileiro, o grande, Elymar Santos. É verdade, o estilo de música que me
acompanharia enquanto passava para o outro lado seria música popular/romântica
brasileira.
O CD tem como capa um grande
plano do próprio Elymar e só de olhar para ele percebemos que está ali qualquer
coisa de especial. O moreno brasileiro, de cabelo comprido e escorrido, com uma
aura de oleosidade que faria inveja a qualquer bifana que se preze, usa uma camisola
de decote generoso (pelo do peito incluído), expõem com orgulho uma sensual
argola dourada na orelha e olha-nos com um misto de convicção e romancismo
forçado, ora não estivéssemos nos a falar de um genuíno cantor romântico que
nos dá profundas faixas como Na Boca,
Terramoto de Amor, Subindo Pelas Paredes ou Guerreiros Não
Morrem Jamais.
Mas o que raio é que faz com que
este marmanjo queira ouvir a versão brasileira ainda mais manhosa do que Toy
antes de levar com um meteorito na mona? É que ainda por cima afirma isso a
frente de toda a gente! Com tanta coisa por onde escolher, desde Chopin a
Foals, porquê o Elymar? É simples. A música vai para além de géneros, para além
de notas, acordes ou tendências. Vejo a música com um quadro em branco onde
cada um pinta o que ela lhe diz, e isso não está só escrito em pautas, muito
pelo contrário. Por muito que a música te conduza a estados de espírito,
memórias ou cenários, ela nunca te dirá o que sentir, o que recordar ou o que
imaginar. Tu fazes isso, não o Elymar. E é por isso que esta é a minha escolha.
Este CD já me acompanha há muito
tempo, foi dos primeiros álbuns que ouvi por completo no carro do meu pai (nem
quero saber como e que isso lhe chegou às mãos). Lembro-me de viagens longas a
cantar e rir à fartazana com as músicas dele. Mais tarde, com o primeiro vistoso
walkman, foi o Sr. Santos que escolhi para ouvir com os meus amigos em
autênticas sessões de palhaçada, onde a
índole erótica de várias destas canções inspiravam “inventivas” coreografias. Elymar Popular esteve sempre presente em
alturas de felicidade e amizade/amor que partilhei com pessoas que muito me
marcam e marcaram. Sim, as letras podem ser brejeiras e os instrumentais faixas
automáticas de um piano eléctrico manhoso, mas fez me feliz. Fez me feliz pelos
momentos que me proporcionou. Com as pessoas de quem gosto, a fazer coisas de
eu que gosto. Ligou-me a coisas que guardo com orgulho e felicidade. E é por
isso que ouviria este senhor. Que outra maneira seria melhor de chegar ao fim
do que sentindo e relembrando tudo de bom que já houve? Fechar os olhos e ver a
alegria com que cantava Escancarando de Vez
com os meus amigos durante os intervalos no Inverno em que não dava para partir
vidros nem esfolar joelhos lá fora. Fechar os olhos e ver um Renault Laguna
abafado pelo cantar sentido e caricato do coro que fazia com o pai e a mãe.
Tudo isso, na minha opinião, é um excelente exemplo do que a vida é, do que a
torna boa. Momentos. Com as pessoas que amamos. Haverá fim melhor que esse? Não
me parece.
Nota: Este sujeito existe mesmo!
Não existem em pesquisá-lo na net, de certeza que terão uma surpresa no mínimo…
engraçada.
Texto por Diogo Lopes
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